O Vestido
Janice foi convidada para ser madrinha de casamento
de sua afilhada Sandra. Durval, o marido, havia feito um bom contrato de prestação de serviço para um político da cidade e com
isso ela pode se empetecar a vontade para o casamento.
Comprou um vestido longo azul claro. Simples mas
muito elegante. Janice tinha bom gosto pelas coisas. Foi educada em colégio
interno de freiras. Havia feito faculdade de letras numa universidade católica.
As próprias freiras sustentaram sua graduação, foi uma aluna exemplar no
internato. Formou-se em latim antigo, infelizmente ninguém a avisou que esta
língua era morta.
Conheceu Durval no final da faculdade. Foi amor á
primeira vista. Ele estudava engenharia elétrica. Formavam o casal perfeito a
exatas e a humanas. Janice foi convidada a continuar na universidade, mas
abdicou em favor de seus filhos. Foram quatro no total, todos formados.
No dia do casamento de Sandra ficou cinco horas no
cabeleireiro foi serviço completo, pés, mãos, cabelos, limpeza de pele,
massagens. Tudo isso valeu a pena. Quando Durval a viu com seu vestido recém
comprado, saltou os olhos como um lobo que vislumbra uma bela cabrita. Ela com
um sorriso maroto tinha entendido tudo. Haveria duas festas hoje.
Chegaram à igreja com o novo carro importado de
Durval em grande estilo. Trataram de tomar seus devidos lugares de padrinhos ao
lado esquerdo da noiva. A igreja estava cheia. Iria ser um casamento epopeico.
Meses depois o casamento ainda seria tema de assunto em cabeleireiros e rodas
de madames. O ambiente estava preparado para receber a noiva. Dez minutos
depois soam as trombetas, a marcha nupcial começa a tocar, pétalas de rosas
caem do balcão. Mulheres em prantos ao ver a beleza da noiva. Seu vestido era
de um branco virginal, com uma longa cauda e um penteado alto aparentando uma
maior estatura.
O padre deu início á cerimônia.
Janice estranhou que as mulheres da plateia a
olhavam e algumas davam risadinhas irônicas. Sua amiga Elenice apontou
discretamente o outro lado, os padrinhos do noivo.
Tragédia! Desastre!
A madrinha, prima do noivo, estava com um vestido
idêntico ao dela!
Janice quase desfaleceu. Como alguém pode ousar vestir
a mesma roupa que a dela?
Estava vermelha era evidente sua consternação.
Durval também percebeu a coincidência e foi solidário a sua mulher apesar da
voluptuosidade da prima do noivo. Era notório que o vestido caia muito melhor
na prima do noivo do que em Janice. O padre fez o favor de estender a missa ao
máximo, era amigo da família.
O sermão dizia a respeito das boas amizades do quão
era bom se sentir perto das pessoas que compreendem seus medos e alegrias.
Janice mal ouviu o sim, qualquer esquina ou buraco
serviria para se esconder deste escândalo.
Ela seria motivo de chacota de toda a alta
sociedade. Afinal batalhou tanto para conseguir chegar a este status e por
causa de uma sirigaita foi destronada de um minuto para outro. Foram jantares,
festas, aparições públicas. Tudo em vão. Amanhã retornaria ao ostracismo
social.
Os noivos estavam casados. Janice tratou de sair da
vista de todos, mas aquela fila de comprimentos era um tumulto, não tinha como
fugir. Tudo isto a fez ponderar qual seria a gafe maior sair à francesa de um
casamento em que se é personagem principal ou encarar as terríveis
coincidências.
“Mas que diabos!” – Ela pensava.
“Porque esta lambisgóia foi escolher o mesmo vestido
que o meu?”
Chegou a hora dos comprimentos Janice mal sorria, o
casamento de sua sobrinha preferida foi um desastre. Cumprimentou Sandra com
dois beijos e um abraço foi quando viu a madrinha do noivo logo atrás. Janice
baixou a cabeça, foi saindo como um cachorro com o rabo entre as pernas mas a
prima lhe interrompeu o caminho:
“Meu Deus! Mas você esta com o mesmo vestido que eu!
Você realmente tem um ótimo gosto!” – Falou em alto e bom som para todos ali na
frente da igreja ouvirem.
“Mulher desgraçada, piranha, vagabunda!” – Seus
pensamentos quase saíram pela boca, seus olhos ferviam. Ameaçou um coice na
canela dela. Durval que a conhecia muito bem agarrou seu braço evitando um mal
maior e a compostura pairou sobre suas cabeças novamente.
Foram apresentadas as respectivas madrinhas, a prima
se chamava Celina uma mulher alta de cabelos pretos e lisos, pequenos e
incisivos olhos castanhos. Sua boca só lábios havia, suas pernas não acabavam
mais. Extremamente simpática, mais do que o necessário, pensou Janice.
Os noivos iriam receber os comprimentos em um famoso
buffet da cidade.
Celina estava sem condução para a festa. Pediu
carona a alguém e logo vários marmanjos se dispuseram a levá-la inclusive o
Durval.
Celina ficou encantada com o casal e aceitou.
“Nossa! Mas vocês dois formam um casal maravilhoso,
acho mística esta linda coincidência dos nossos vestidos. A senhora não acha?”
Os olhos de Janice se encheram de lindas lágrimas de
raiva, rezou para que seu marido fosse um psicopata e a matasse. Jogaria seu
corpo no rio e tudo estaria bem o tão afamado casamento estaria salvo e não
seria alvo de chacotas das fofoqueiras de plantão.
Parecia que aquele pesadelo não teria fim. No salão
foram fotografadas juntas, filmadas juntas, até entrevistadas. Celina insistiu
em sentar-se à mesa junto com tão belo casal, marmanjos a cortejavam a toda
hora. Durante a valsa Janice desabafou com Durval:
“Quero sair desta festa não quero ficar nem mais um
minuto. Estou traumatizada com esta situação e você não faz absolutamente nada
para me ajudar! Você podia muito bem dar um tiro nesta vagabunda!”
Janice estava visivelmente transtornada.
“Venha cá meu amor vou pegar um uísque para você
relaxar. Uma bebida forte vai te ajudar”.
Os dois foram ao garçom mais próximo. Ela nem fez
cara feia ao virar o copo cheio. Voltaram para a mesa.
Celina estava conversando animadamente com Gisela, uma
ex-amiga de Janice. A muito não se falavam desde quando soube que Gisela
paquerava Durval as escondidas.
“Belo vestido vocês arranjaram. Compraram juntas?” –
Perguntou a peçonhenta amiga.
O jantar era bobó de camarão servindo num prato de
porcelana inglesa decorado pelo famoso Chefe de cozinha Lui Martin. Janice
pegou o respectivo talher para frutos do mar experimentou a iguaria, fez uma
cara de desgosto e num simples gesto jogou todo o bobó de camarão em cima de
Gisela.
O que seria um casamento triunfal virou uma briga de
boteco de esquina. Janice insana quebrou uma garrafa de vinho, tinha a intenção
de enfiar aqueles cacos no rosto de Gisela e da Celina.
Durval usou de toda sua força para poder segurar a
mulher. Necessitou da ajuda do noivo para separar as briguentas. Celina que era
toda Zen, não entendeu o motivo de Janice estar brava com ela:
“Temos tanto em comum! O que foi que eu fiz?”
Com muito custo Durval conseguiu tirar Janice da
festa e colocá-la dentro do carro. Na volta para casa Janice não parava de
chorar Durval nada falava. Subiram para o apartamento, “vou comprar seu
calmante”. Rapidamente tirou o terno e colocou um moletom. Saiu batendo a porta
da sala.
Janice viu tudo isso chorando na sala. Levantou foi
a seu closet, abriu a porta de espelho e se viu naquele vestido. O choro voltou
em revolta, rasgou todo o vestido ficou nua no espelho. Viu seu corpo. Lembrou
de como o vestido ficava bonito no corpo da Celina. Estava se sentindo muito
mal a pior mulher do mundo, a mais feia, a mais horrorosa.
Não conseguia imaginar o porquê de Durval gostar
dela? Como ele poderia viver com um estrupício como ela? Ela era uma farsa como
mulher, um arremedo de pessoa. Nem escolher um vestido decente conseguia
escolher. A vida social que construíram juntos foi atirada na privada, Tudo
porque não soube escolher um vestido decente.
Olhou para a porta de vidro de sua sacada. Eram
quinze andares. O porteiro acordou com um repentino baque. Havia um corpo
estendido na calçada.
Durval virou na esquina de sua rua, voltava da
farmácia. Deu de cara com carros de polícia e ambulância. Deu meia volta no
carro, entrou em uma viela perto de seu prédio. Parou o carro e furtivamente
pegou o celular. Discou rapidamente os números, não atendia. Discou de novo,
atendeu:
“Celina? É o Durval. Nosso plano foi melhor do
que esperávamos. Não vamos precisar mais dos calmantes. O vestido mais a baixa
hormonal foram mais eficazes do que o calmante. Te espero daqui a quinze dias
em Cancun. Beijos meu amor”.
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