...na sala de segurança no Palácio da Alvorada.
“Chefe, o cozinheiro disse que tem uma coisa muito importante pra
contar.”
“Ele entra só se tiver alguma comida.”
O Policial federal sai da sala para comunicar que ele só entraria se
tivesse alguma comida pra oferecer aos delegados.
“Bom, eu já sabia disso e trouxe uma bandeja de quitutes. Se quiser pode
se servir também seu guarda.”
Os olhos do policial cresceram ao ver aqueles quitutes, o cheiro
maravilhoso que subia.
“Valeu aí seu chefe! Pode entrar pode entrar!”
Catando alguns bolinhos de carne, duas esfihas, duas coxinhas e ele
ainda conseguiu abrir a porta para o cozinheiro.
“Aqui está.”
Os dois delegados e o escrivão avançaram sobre a bandeja de quitutes.
“Pois bem, o que o senhor deseja?
“Meu nome é Vicente da Cunha, sou um dos cozinheiros chefes do Palácio e
vim aqui fazer uma confissão.”
“Confissão? Que confissão? Moço isso aqui não é igreja e nós não somos padres.”
“Fui eu que assassinei a presidenta.”
O Delegado chefe engasgou e necessitou tomar um copo de água pra poder
se recuperar.
“O quê??”
“Eu sou o responsável direto pela morte da presidenta.”
“Como? Por um acaso você a envenenou?”
“Não. Eu não sei mexer com venenos. Acho que poderia matar alguém
inocente. Eu pensei, no principio, em dar um tiro nela. Mas, eu ir para a
cadeia porque matei aquele estrupício? Não! Vocês sabem bem que um assassinato
com arma é mais fácil de se solucionar.
“Mas porque você faria uma coisas dessas?
“Lembra do vôo 247? Perdi meu grande amor lá...”
“Lembro, mas o acidente aconteceu no governo passado e não no dela.”
“Na verdade o objetivo era ele, mas não consegui implementar meus planos
a tempo de alcançá-lo. Ele saiu ela entrou.”
“E como você a matou?”
Ele olhou para os quitutes.
Imediatamente os três homens cuspiram o que estavam comendo.
“Não se preocupem. Não estão envenenado. Eu já disse que não sei mexer
com venenos! Não tem cuspe nem nada nojento. É o melhor quitute que vocês já
experimentaram. Eu tenho certeza disso.”
Os delegados estavam confusos. Um misto de preocupação com muito
trabalho a vista.
“Mas como? O que você fez?”
“Posso me sentar? A história é longa.”
O Delegado mais velho fez um gesto para ele se sentar.
“Antes de ser cozinheiro, eu era um químico e trabalhava na indústria
farmacêutica. Estava casado a pouco tempo quando aconteceu o acidente do 247.
Minha esposa estava lá. Fiquei traumatizado um bom tempo. Depois disso mudei de
vida, mudei de cidade. Aprendi a cozinhar. Fui cozinhar para um restaurante de
beira de estrada. Lá conheci uma senhora que me ensinou a ser quituteiro. Com o
passar do tempo fui me especializando. Foi quando resolvi visitar uns parentes
na Ilha Grande. O dono de um restaurante provou de meus quitutes e me
contratou. Durou pouco. Pois um deputado federal adorou os meus quitutes e me
convidou a trabalhar em Brasília. Nesta época meus planos começaram a se
formar. E a minha vingança também.”
“Mas você antes de trabalhar aqui teve sua vida devassada e teoricamente
tem a ficha limpa. Senão não estaria aqui.”
“Meu plano era muito simples. Tão simples que vocês não perceberam que
ela foi assassinada.”
Os homens estavam perplexos, não sabiam se o mandavam embora, se
chamavam os médicos psiquiátricos. Mas o delegado chefe que eram um policial
das antigas. Havia sentido algo naquela história.
“Seja mais sintético Senhor Vicente.”
“Experimentem um de meus quitutes. Não são magníficos? Eles combinam bem
com cerveja. É um típico prato de boteco.”
E realmente eram, os policiais não conseguiam parar de comer. Todo
policial sabe atirar e desfrutar de uma boa comida de boteco.
“Pois bem, esses são os meus quitutes de baixo nível. Que eu considero.
Eu tenho o bolinho de bacalhau, bolinho de feijoada, rissoles de camarão e a
empada de palmito. Estas são as minhas especialidades. Minhas ‘Master Pieces'”
“O senhor trouxe alguns deles?”
“Infelizmente não. Mas eles estarão prontos a partir de amanhã.”
“Continue.” Ordenou o delegado chefe.
“Então. A Presidenta era louca pelos meus quitutes. Ela, com bastante frequência,
almoçava e jantava quitutes. Lembra que logo que ela entrou, alguns meses
depois ela começou a ganhar peso? Pois bem foi quando meu plano começou a dar
certo. Ela tinha um perfil psicológico muito intenso. As vezes estava de bom
humor mas era de um mau humor irritante. Nestes momentos eu a presenteava com
alguns dos meus quitutes mais densos!”
“Densos? Densos de quê?”
“Pasteis de carne e de camarão. Coxinhas com catupiri, e a bomba! Os
meus acarajés! Rapaz! Ela os adorava. Ainda colocava o molho de pimenta baiana
a parte que ela só faltava mergulhar o dedão naquilo de tanto que ela comia.
No dia seguinte o pessoal sofria. A cara de hemorroida que ela fazia era
demais. Todo mundo sabia o que ela tinha comido pra estar daquele jeito. O
pessoal ficava bravo comigo. Um dos ministros me proibiu de fazer esses
acarajés pra ela. Mas ela os adorava.”
“Seo Chefe! Ainda não entendi como você a assassinou?”
“Ela começou a engordar demais. Um dia passou muito mau, pico de
pressão. Quase teve um enfarto. Eu quase havia atingido o meu objetivo. Mas,
após esse evento. Ela entrou num regime. Um regime intenso. Eu até fui cortado
do quadro de funcionários do Palácio pra evitar que ela comece alguma coisa
diferente da dieta.
Tirei umas férias, fiquei desolado. Achei que meu plano tinha falhado
por completo. Mas depois de vinte dias ela me chamou de volta. Em principio eu
havia recusado mas ela me ameaçou dizendo que poria a policia federal atrás de
mim se eu não voltasse. Então negociei com ela. Pedi mais dinheiro. Eles deram.
E fui. Descobri que meu plano estava em pleno andamento. Mas, precisava fazer
alguma coisa, ela havia emagrecido. Os indicadores de gordura, colesterol,
triglicérides, estavam controlados. Eu havia perdido tempo e precisava
recuperar.
Foi quando eu fiquei amigo do médico que tirava sangue dela. Disse que
estava com problemas de colesterol também. O quê um rissoles de palmito não
faz. Com uma bandeja deles eu comprei o médico e toda as vezes que ele ia tirar
sangue dela, ele tirava o meu também. E num momento de descuido eu trocava as
ampolas de sangue. Eu fiz isso umas cinco ou seis vezes.”
“Mas os médicos não acharam diferença?”
“Meus indicadores são limítrofes também, tomo remédio. Então eles
concluíram que estava tudo controlado.”
“Mas mesmo assim ela não estava engordando. Ou engordou pouco pois não
se percebeu.” Disse o delegado.
“Esta foi a segunda parte do meu plano. Um dia levei a ela uma bandeja
de canapés lights e um suco desintoxicante. Ela jogou tudo do chão e me pediu
um daqueles quitutes especiais. Eu repliquei que ela estava de dieta e que os
assessores me proibiram de levar quitutes a ela. Lembra dela brava? A mulher
virou uma jararaca do mato brava! Ela queria demitir o assessor. Se ela tivesse
uma arma naquele momento ela ia atrás dele matá-lo. Eu tentei acalmar de todas
as maneiras e disse que dali alguns momentos eu traria uma super bandeja de
quitutes. Ela avançou naquela bandeja parecia um urubu em carniça. Eu trouxe
também um remedinho especial para emagrecer. Fácil de se arranjar em qualquer
farmácia. A sibutramina. Ela adorou. Até o humor dela melhorou.”
“O senhor conversava bastante com ela?”
“Eu acho que ela gostava de mim. Sabe porque? Ela me xingava pouco.
Ficava com pena das meninas que iam servi-la. Xingava mesmo!”
“E como o senhor lidava com os desaforos dela?”
(O Quituteiro deu uma risada irônica)
“Eu simplesmente caprichava nos quitutes e aproveitava pra colocar mais
um comprimido de sibutramina na bandeja.
“Um dos funcionários que entrevistamos disse que teve uma época que ela
enlouqueceu, ficou mais agressiva e passou a não dizer nada com nada.”
“Sério? Dizer nada com nada? Desculpe seu delegado mas o senhor só pode
estar brincando. Ela nunca disse nada com nada. Não sei como esse estrupício
ser um presidente. Desse jeito, até eu!”
Os delegado se entreolharam. E tentando se desculpar.
“Foi uma pergunta estúpida mas retórica.”
“Claro...Claro... Mas ela ficou mais maluca sim. Acho que foi uma
mistura de muita coisa. O início do processo de impeachment. O cerco a ela e as
pilulinhas é claro! Nesses dias os médicos nem vinha mais aqui tirar sangue
dela. Se entrassem no gabinete dela, ela lançava cinzeiros, copos o que tivesse
a mão. As faxineiras foram ordenadas a tirar do gabinete esses tipos de objeto.”
“Mas, me conte sobre o dia do falecimento.”
“Ela chegou logo de manhã. O dia anterior não foi fácil. Vocês sabem. O
impeachment estava correndo solto. Ela não devia ter dormido bem, pois estava
com umas baitas olheiras. Pediu o café no gabinete, ligou pra mim lá na
cozinha. Vociferou que queria empadas de palmito e croquetes de carne. Esse
era o sinal para a pilulinha. Levei uma badeja com todos os quitutes que eu
sabia que ela ia comer com gosto. Pasteis de carne, empadas de palmito e
camarão. O acarajé que ela tanto ama. Coxinhas com catupiri. Rissoles de
camarão. Quirches de queijo mineiro e alguns pães de queijo típicos de
Paracatu.
Quando deixei a bandeja lá o pessoal do partido havia chegado. Logo que
fechei a porta o bate boca começou. Ali eu vi que do dia ia ser bem quente. A
gritaria era histérica dela. E o pessoal do partido também. O gabinete virou
uma panela de pressão. Mais tarde perto da hora do almoço. Fui chamado
novamente para repor a bandeja de quitutes. Ela havia comido tudo. E assim foi.
Repus.”
“Foi aí que ela teve a síncope?”
“Foi uma meia hora depois. Disseram que ela começou a passar mal. Sentou
no sofá e morreu ali mesmo.”
“Por um acaso ela havia tomado a naquele dia?”
“Claro. Era parte do café da manhã dela.”
Um dos delegados se levanta e abre a porta.
“Ô Sérgio! Chama o general. Ele
precisa ouvir esta história”.
Na verdade o delegado chefe estava querendo passar a batata quente pra
alguém.
Alguns minutos depois o General encarregado da segurança e seu capitão
entram na sala e topam com aquela quantidade de quitutes, café e guaraná
dispostos na mesa.
“Opa!!! Perdi alguma coisa? Foi aniversário de alguém? Nem me chamaram
pro bolo!”
“General. Pode parecer estranho mas estamos no meio de uma confissão de
assassinato. Assassinato da Presidenta.”
O General demorou mais alguns segundos pra assimilar aquela informação
com um rissoles de camarão na boca e com o que via ali. Uma realidade distorcida.
Ele puxou uma das cadeiras. Sentou. Serviu-se de café e escolheu dentre os
quitutes uma empada de palmito.
“Pois bem. Me coloquem a par de tudo.”
Seguiu-se a explanação dos delegados e o relato detalhado do Quituteiro chefe. Três copos de café depois mais uma esfiha, coxinhas, coxinhas com
catupiri e último bolinho de bacalhau. O General se manifestou.
“Realmente! Realmente este bolinho de bacalhau é a sua obra prima. Alias
a minha esposa adora. Sempre que posso escondo alguns na bolsa. Este é o meu
delito. Eu reconheço. Mas por que diabos você esta contando uma coisa dessas
agora?”
“Eu sou um cara honesto. Não consegui lidar com o peso desta
responsabilidade.”
“Entendo."
“Mas general? E o moço aí? O que fazemos com ele?”
“Com ele? Se ele me trouxer uma bandeja dessa pra eu levar pra casa
posso relevar tudo. Beleza?”
O delegado mais jovem não entendeu direito o que o General estava
dizendo.
“Mas General? É uma confissão de assassinato!”
“O meu filho? Você me deu essa batata quente pra segurar. O senhor
tem ideia da repercussão que isso vai provocar? Já não basta treze anos de
agonia? Você consegue entender a dimensão deste presente que caiu no nosso
colo? Se for comprovado que ela foi assassinada mesmo e esse cara é o culpado.
Os caras que a gente tá dando um pé na bunda agora vão voltar com mais força. E
aí ferrou...
Então é o seguinte. O seu Quituteiro! O senhor vai lá na cozinha e me
traga aquela cesta de quitutes e por mim esta tudo certo. Eu não vou repartir
essa cesta com ninguém, se quiserem que peçam as suas.”
Seguiu-se um alvoroço entre os delegados e o Capitão exigindo também uma cesta de quitutes.
O General olhando firme para o Quituteiro ainda o ameaçou.
“E você quituteiro se você abrir a boca pra alguém contando isso eu juro
que enfio o vidro de pimenta da presidenta na sua goela abaixo.
Agora vai lá buscar a minha cesta de quitute. Minha mulher vai adorar!”
O Quituteiro saiu um tanto atordoado. Mas foi como ter tirado um peso da
consciência. Estava calmo e em paz.
Dentro da sala de reunião estavam o general, o Capitão e o delegado mais
velho.
“Delegado. Você consegue segurar o seu menino aí?”
“Não se preocupe. Ele não é tão idiota quanto parece.”
“Pois é Capitão. Acho que assim como eu você deve estar pensando como
somos idiotas. Horas, dias gastos pra nada. Vem um cara desses e faz isso? Como
foi que não pensamos numa coisa assim antes? Mas tudo bem. O bom é que passou.
Acabou!