segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os Sapatos







Os Sapatos


Sejam scarpins, sapatilhas, tamancos, simples sandálias. Abertos ou fechados. Rasteirinhas, chinelos, plataformas, mesmo os tênis. Botas, cano alto, cano baixo. Mas, sempre, sempre os de salto alto. Esses são imbatíveis!



Não adianta. Todos os meus relacionamentos amorosos se basearam inteiramente na combinação entre o sapato e a mulher. Não tinha jeito, eu olhava primeiro para a mulher e em seguida para o que ela calçava. Olhava sem nenhuma vergonha.



Eu forçava a não olhar para o sapato mas não dava se ela fosse interessante eu tinha que ver. Combinava. Ótimo! Caso contrário, até dava uma colher de chá. Tipo: se na terceira saída ela não acertasse com os sapatos eu a dispensava ali na hora.



Sapatos e mulheres são duas coisas indivisíveis. Já fiquei terrivelmente apaixonado por mulheres que conseguiam essa harmonização. Mas, acontecia de elas me dispensarem assim que percebiam a minha loucura. Algumas não, como foi o caso da Julia que me manipulou por um bom tempo.



O Sapato é o supra-sumo da feminilidade, é onde a mulher se coloca, se posiciona. É um altar ambulante da feminilidade. Já a mulher...bem, a mulher é a mulher.


Ela já é perfeita em toda a sua essência. O sapato serve justamente para isso. Expor a essência da mulher mesmo imperfeita esteticamente ela se transforma. Consegue usar e abusar de sua feminilidade. Vira uma deusa. Os sapatos quando combinados tem esse poder de trazer a feminilidade perdida, ou simplesmente torná-la Poderosa.

Não sei por que não fui sapateiro? Talvez devido a uma psicóloga que me indicou alguma profissão que não tivesse a ver com sapatos. Fui ser arquiteto. Sócio de uma empresa de desenhos arquitetônicos. Mas essa mania, esse fetiche, como a psicóloga gostava de chamar, nunca desapareceu. Diminuiu na faculdade, mas nunca desapareceu.

Outro dia contratamos uma arquiteta recém formada. Em seu primeiro dia veio de vestidinho vermelho de alcinha e um coturno. Um coturno? Já tinha visto essa aberração de combinação na rua, muito repulsivo. Quase falei pro Jorge, meu sócio, demití-la.

“Juba. Fica na tua! Vai tratar das suas neuras que eu trato da firma.”

Que cala-boca! Como sou idiota. Será que preciso voltar à minha analista? Ele tem razão. Essa minha mania deve ser muito chata com as mulheres. Coitada da Pamela. Ela era uma ótima pessoa. Podia ter dado certo, mas aquele chinelo de dedo com plataforma era uma batida de carros!

Apesar dos coturnos a menina era bem bonitinha, cabelos lisos e pretos, rosto fino, de narizinho arrebitado e o mais interessante, uma legítima falsa-magra. Ela insistia em usar o coturno e assim foi durante uma semana. Por um lado foi bom, pois comecei a não ligar. Mas na semana seguinte ela foi com uma sapatilhazinha de princesa, uma saia e blusinha que meu queixo caiu.

“Porra Juba! Se toca! Olha o assédio!”

“Desculpa Jorge. Não resisti. A menina esta um doce!”

“Cara! Você tem que se controlar mais. Os projetos estão atrasados.”

O Jorge tinha razão. Os projetos estavam atrasados e eu olhando para as pernas... Pés, cabeça, pescoço, cabelos, olhos, bunda e os sapatos da moça.

Acho que vou voltar a freqüentar minha psicanalista.

Pra quê? Até hoje ela não resolveu. Disse que era um complexo de Édipo mal resolvido. Mas e daí? Como é que se resolve? Acho que o mal dos psicólogos, psicanalistas e outros doidos é que eles não são tão objetivos em seus tratamentos como deveriam ser. Dane-se!

Evitei os sapatos, evitei a menina, evitei sair. Mesmo com um convite da Julia.

“Vamos sair Juba? Eu vou com aquela sandalinha que você tanto gosta.”

Tentador, mas... “Estou resfriado.”

“Tá juba. Então eu uso aquela bota de cano alto de saltos nas alturas só pra vocês. E com uma surpresa a mais depois!”

A Julia era sacana sabia exatamente onde me atingir, fiquei com ela um bom tempo. Me traiu. Foi difícil terminar. Manipulava-me do jeito que ela queria. Só em combinar os sapatos. Eu virava um joão-bobo. Fui forte e terminamos. Tempos depois ela voltava a me ligar usando e abusando dessa tática.

“Você está de sacanagem comigo Julia! Isso é um puta golpe baixo!”

Sai. Fazer o quê?
A menina do escritório não saia da minha cabeça. Quem sabe a Julia a tirava.

Tirou por algumas horas. Cinco horas e meia para ser exato, entre um jantar e saber do que se tratava a surpresinha. Mas no dia seguinte ela estava lá. Bonitinha. Gostosinha. Super! Fingia que não a via, ia com óculos escuros, dizia que estava com conjuntivite.

Eis que um dia ela entra no escritório de sandálias de saltos altos toda produzida.
Neste dia eu decidi.
Eu a convidaria a um jantar. Não seria um assédio e simplesmente uma forma de reunião de empresa.
Ela recusou. Estava namorando. Minha cara caiu no chão. Nunca mais olhei para ela com segundas ou terceiras intenções. Daquele momento em diante a tratei como um homem ou como qualquer outro funcionário. Quase fui a minha psicanalista para ensinar como é um tratamento objetivo.

“Toma Juba! Ainda bem que ela não aceitou.”

“Por quê? É você o namorado dela?”

“Infelizmente não. Mas é que ela te deu um jeito.”

Os meses se passaram nossa empresa foi de vento em popa. Eu estava bem, não babava mais, não suspirava mais. Ainda apreciava os sapatos femininos. Mulheres passavam, mulheres vinham e eu ainda gostava de observar a menina do coturno. Era bonita não tinha como evitar.

Um dia numa reunião ela apareceu com um lindo scarpin delineando suas pernas, realçando suas ancas e soerguendo seus peitos. Estranhei esta recaída. A Julia não usava mais seus artifícios porque não surtia efeito.
E agora aquilo?
Babava no meio do escritório. Fiz das tripas coração, tirei leite de pedra! Não caí na tentação de xavecá-la. Nossa! Mas que gata que ela é!
O dia no escritório passou sem maiores contratempos, o problema é que era uma sexta feira e um “happy hour” estava marcado. Tinha de ir. Fomos nós os diretores que marcaram.

Lá estava ela, uma estrela brilhante.
Dry Martini?
Longe de mim.
Um Mojito?
Estou fora.
Talvez uma cervejinha cairia bem. E assim, segurando de todos os lados o “Happy hour” passou. 

Estava pagando a conta quando ela senta ao meu lado cruza as pernas mostrando seu lindo scarpin combinando com pernas delineadas, saia curta e um busto empertigado. Suspirei profundamente.

O papo foi rolando solto. Evitava olhar para as pernas dela e seu scarpin, quando por impulso, saiu não sei de onde. Perguntei:

“Onde foi que você comprou este scarpin?”
Ela estranhou a pergunta.
“Por que?”
“Eu achei bonito.”
“Obrigada.”
As mulheres sempre agradecem depois deste elogio. Embora eu esteja elogiando os sapatos e não ela. Isto prova que são duas entidades indivisíveis, os sapatos e a mulher.
“Vai comprar para alguém?”
“Não. Eu só queria saber.”
Ficamos sem assunto momentaneamente, nós dois olhando para os lados.
“Bom, já esta tarde. Preciso ir estou cansado.”

“Você esta de carro? Me dá uma carona?”
“E o namorado? Eu pensei que ia se encontrar com ele.”

“Terminamos a mais de um mês.”
E sentamos de novo na mesa para conversar mais. O papo continuou. Pessoa inteligente, brilhava os olhos.
Ofereci a carona.
Um beijo no meio de um sinal vermelho me fez desviar para meu apartamento.
Descobri naquela noite que ela gostava de fazer com o seu scarpin ou com a sua bota de cano alto ou com sua sandália plataforma, gostava de todas as maneiras de todos os sapatos.
Descobri que seu pé era lindo.
Delicado.
Feminino.
Casei com ela.

2 comentários:

Luciana Pascarelli disse...

Denuta (como diria o PM!),adorei o blog! Além das belas fotos, os textos são instigantes.... Fiquei lendo e não consegui desgrudar os olhos até o final da história.

Viajo daqui 15 dias e acho que até lá, se consguir escrever um post será muito. Mas prometo contar minhas peripécias na terra da Cicciolina!

Beijos

Fabiano disse...

Legal!! Manda um beijo pra ela!! E se puder aparecer por aqui...