quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Gavião e os dois meninos

Fez a lição?
Mais ou menos.
Como assim?
É que eu não entendi direito o que a professora explicou. Você fez?
Não.
Xí! Ela vai dar bronca.
Bronca a mais, bronca a menos não vai fazer diferença.
Escola chata!
Muito.
Os meninos pararam como que encanto observando um pequeno gavião sair do topo de uma palmeira, parar no ar e cair como uma pedra no pasto. Saiu com uma cobrinha pendurada nas garras. Pousou num galho alto de uma araucária. Junto a ele apareceu outro gavião e dividiram a cobra.
Já saiu a lista da seleção?
Ainda não, mas o Pelé vai jogar.
Tomara.
Os dias passaram e todas as vezes que os meninos iam para a escola paravam naquele lugar para observarem os gaviões. As aves geralmente carregavam alguma presa, cobra, lagartixa, mas sempre os viam com ratos pendurados.
E o Chulé? Como é que vai?
Ele é muito engraçadinho, corre atrás da bola de meia e já estragou meu peão.
Minha mãe não deixa ter bicho em casa. Pedi um cachorrinho que nem o Chulé, ela nem quis saber. Arranjei um gatinho e ela disse que tinha alergia e que espirrava. Imagine gato dar espirro?
Lá em casa foi a mesma coisa, mas quando minha mãe viu o Chulé ela gostou. Meu pai deu uma força porque ele gosta de bicho
Os gaviões estavam construindo um ninho num galho alto da araucária. As paradas ficaram mais extensas, observavam a construção do ninho. Um dia perderam a aula e não os deixaram entrar na escola. Os dois receberam advertência por isso. Um deles recebeu uma surra em casa e o outro ficou de castigo por um mês.
Doeu?
Esta doendo até hoje, mas eu já estou acostumado. Meu pai não aceita eu ir mal na escola de jeito nenhum, quanto mais faltar a aula.
É mas você não ficou de castigo. Não vou assistir televisão, nem cinema por um mês, ainda vou ter de apresentar a lição de casa para meus pais. Bem agora que a série do Kung fu ia começar.
É. Acho que para você a coisa foi pior. O ninho já esta pronto.
Daqui uns dias vai ter ovo.
Os dias passaram e as observações se estenderam aos sábados e domingos. Nos domingos combinavam de se encontrar depois da missa.
Pois é. Como você disse. O Pelé vai.
É uma seleção daquelas né!
Já pensou se a gente for tricampeão?
Lá em casa meu pai já comprou um engradado de guaraná pra comemorar.
Os ovos chocaram, eram dois filhotes de gaviões. Os meninos paravam para ver as pequenas asas baterem no alto daquele ninho.
Eu não tenho bicho, você tem dois.
Mas quando quiser brincar com o Chulé e a Xispa é só ir lá em casa.
Mas não é mesma coisa. Minha mãe podia me deixar ter um bicho.
(pausa)
E se a gente pegasse um dos gaviõezinhos?
Cê ta louco? Bicho desse não se pega!
Cê fala isso porque já tem dois.
Anoiteceu. O final de semana chegou e o menino sem bicho não apareceu como de costume. No domingo, na missa eles se encontraram.
Onde você foi?
Eu fui ver como é que se faz para pegar o gaviãozinho. Cê vai comigo?
Eu não acho certo, mas eu vou.
Arranjaram uma corda para subir no pinheiro. Passavam a corda no galho de cima e assim iam subindo. Os gaviões não gostaram e piavam ameaçadoramente. Voavam perto da cabeça dos meninos tentando espantar. Os meninos estavam certos, era a aventura de suas vidas. Nada os impediria. Pegou o filhote, o assalto estava quase completo, agora faltava descer o pinheiro. Os pais do filhote não gostaram nada deste furto, investiram tudo em cima dos meninos, um deles conseguiu bicar a testa de um deles, sangrava. Outra investida e o menino com o filhote na sacola recebeu um arranhão na cabeça. Conseguiram descer. Estavam atrás deles, por mais de um quarteirão os pais ainda os perseguia.
Conseguimos!
Conseguimos. Nossa! Sua testa tá sangrando!
Sua cabeça também!
E agora? Que é que eu vou falar pra minha mãe?
E eu? O Filhote vai pra minha casa.
Mas sua mãe não vai deixar você ficar com o filhotinho.
E o Chulé vai matar ele.
Eu não vou deixar o Chulé ver ele.
Não. Você já tem dois bichos e eu não tenho nenhum e a idéia foi minha.
Tá bom.
Precisamos arranjar uma caixinha pra por ele.
Arranjaram uma pequena caixa de papelão, colocaram palha e o menino levou o filhote para seu quarto. O quarto virou o centro do mundo. Não saia mais. Sua mãe começou a estranhar. Pois seu amigo nunca entrava em casa, e agora os dois não saiam mais do quarto. Um dia a mãe descobriu. Ficou assustada, não gostava de bichos. Principalmente de bichos que ela não conhecia. Não quis o filhote em casa. O pai perguntou como eles conseguiram.
Ah pai! Eu não tenho bicho nenhum, eu só queria ter um bichinho para eu poder cuidar. Meu amigo tem o Chulé e a Xispa e eu não tenho nenhum.
A aventura foi muito perigosa. Sua mãe ficou de cabelo em pé quis colocá-lo de castigo. O pai foi razoável. Aquela aventura merecia ser desfrutada. Conseguiram. Conversou com a mãe e deixaram-no ficar com o passarinho desde que fosse à escola, tirasse boas notas e cuidasse bem do bicho como se fosse o pai.
Você viu? Meu pai me deixou ficar com o gavião!
E como vai ser o nome dele?
Vai ser Teo.
Teo? Por quê?
Porque não?
Esse nome não dá, tem que pensar mais.
O filhote cresceu, virou um belo gaviãozinho. Voava e retornava para seu ninho no quarto do menino. As vezes voava longe mas sempre voltava. A mãe se acostumou. O pai gostava. Por algum tempo o Gaviãozinho ficou famoso e sempre alguns meninos iam visitá-lo. Ele escoltava os meninos todas as vezes que iam para escola e lá ficava esperando até o final da aula. Escoltava os meninos na volta para casa.
O ano passou e tiveram de mudar de escola. Para ir às aulas seus pais contrataram uma perua. Mesmo assim o gaviãozinho os acompanhava. Durante algum tempo foi desse jeito. Um dia o Teo não voltou. O Menino não parava de olhar para o céu.
Filho! Pare de olhar para o alto! Vai cegar você!
Mas, cadê o Teo mãe?
Sei lá. Vai ver ele encontrou um gavião mulher e ficou apaixonado.
Não mãe!
A vida é assim. Um dia você também vai encontrar uma menininha de quem você gosta e vai embora.
O menino não se conformava, criou o gavião como se fosse seu filho, sabia tudo o que ele precisava só de olhar para ele. Achava que isso seria um desaforo. Mas, receberia o gavião de qualquer jeito. Passava dia e ele não chegava.
Cara! Eu encontrei o Teo!
Onde?
No guapuruvú perto da figueira da rua de baixo.
Foram, era o Teo mesmo. Estava com outro gavião era uma fêmea. Comiam uma pequena cobra. O menino assobiou forte e alto para que o pássaro ouvisse. Ouviu. Levantou a cabeça para saber de onde vinha. Num vôo raso passou raspando na cabeça dos meninos, como sempre fazia. Deu uma volta e pousou em seu ombro. Foi um adeus. Alçou vôo novamente. Aninhou-se num dos galhos mais altos do guapuruvú.
É. Dessa vez não vai dar para levar um dos filhos dele. Né?
Não. Acho que vou criar uma cobra ou um lagarto.
Até parece que sua mãe vai deixar.


Um comentário:

Anônimo disse...

Porque nunca mais escreveu no blog?
Adoro o que escreve.
Feliz 2011!